segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

memória de final de ano zero um

quase agosto.
quase não gosto. quase não quero.
abraço terno. abraço eterno.
ela diz rolou um abraço quente.
eu digo que isso imagina abraço de amigo.
e era mesmo.
noite fria corpo quente
peripécias
beijo de amigo.
testa na testa riso no riso
música velha embala sentidos novos
pessoas entorpecidas.
frio madrugada árvore vizinhos sonolentos
gente nova estranha entorpecida.
tudo era um riso.
tudo vaza quando a madrugada torna-se dia
vontade de estender mais um pouquinho
talvez até o final do ano. 
e a gente estende.
eu estendo até o final da memória.

domingo, 9 de dezembro de 2012

(n)ele


Ele é tímido e anda
como se não precisasse de ninguém
talvez não precise mesmo.
Mas eu queria que precisasse de mim.
No fundo, no fundo, ninguém precisa.
Mas não é preciso precisar, é preciso querer. Basta querer.
Talvez o que ele faz é esconder sua vontade, mas algo me diz que sim!
Talvez seja o tom da sua voz tímida e quase sem volume me
dizendo claro.
Não posso julgar seu jeito horrível de ser.
Só posso lamentar que como alguns outros ele me pegou pela imagem.
Eu gosto da sua imagem.
E eu crio histórias à partir desta imagem, sem que elas sejam possíveis de acontecer.
O que me incomoda é o que mais me prende
(n)ele.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

A cidade grande.


*Lê-se com leve sotaque nordestino.  

Eu me lembro muito bem daquela sensação.
Colorir a serragem, pensar nos desenhos.
Ver o trabalho pronto, terminado, voltar pra casa tomar banho.
Depois voltar pra missa de Corpus Christi.
Eu via aqueles jovens, e os achava tão decididos, tão legais, eu queria ser como eles, e fui durante um ano. O ano em que eu ainda acreditava.
 Me lembro como se fosse ontem a sensação horrível que tive quando vi a rodoviária dessa cidade. Uma mistura de arrependimento, de desespero, queria voltar, mas sentia que não tinha volta. Eu estava tão preocupada com o que ia me acontecer, que aquele entusiasmo do momento da decisão foi por água abaixo, não existia mais.
Mas ao mesmo tempo eu tava curiosa, eu queria pagar pra ver o que ia me acontecer. Eu sabia que o que me esperava não era muito bom, e que eu ia sofrer. Mas eu me dizia, me fazia recordar: menina você já passou por mudanças antes, no começo o desconforto é terrível, mas depois você se acostuma.
O bicho humano se acostuma com tudo, com qualquer lugar.
A feiúra passa a não incomodar mais tanto, e a beleza fica tediosa, menos importante do que quando você tá só de passagem.
 Eu tinha meus doze anos quando li um livro que ganhei na escola, ele contava a história de uma cidade onde as árvores começaram a dar fruto dinheiro vivo, mas logo as pessoas descobriram que ao cruzar a fronteira da cidade o dinheiro virava pó. E era assim que eu me sentia quando cheguei na cidade, um saco de poeira.
Que logo se misturaria com a poeira suja da cidade.
Quando deixei minha cidadezinha lá em cima eu não tinha conhecimento nenhum do que ia encontrar, eu fui movida não por uma convicção, mas por um sentimento de que a vida podia ser maior, de que existia mais coisas além do que eu conhecia, e eu estava certa. Não de achar que eu seria mais feliz em outro lugar, mas certa de que existia muita vida além daquela. E eu queria contar pra todo mundo, pra minha família, pros meus amigos que a cidade grande não é como na televisão, vai muito além dessa beleza.
Cidade enganosa, tem um encanto que às vezes se diz benigno e outras vezes maligno. Se você trabalha oito horas por dia num sub- emprego qualquer, a fadiga que dá forma aos seus desejos toma dos desejos sua forma. E você pensa que está se divertindo na cidade, quando não passa de seu escravo.
Há muitos anos eu sou escrava da cidade grande, e eu não posso mais voltar atrás, por que agora eu sou poeira, e de onde eu venho poeira não tem valor não, porque lá poeira já tem é demais.
E essa poeira poluída que agora sou, nunca mais vai se misturar com o pó da estrada de terra batida sertão. 

*Este texto contem livre adaptação de trecho do livro As cidades invisíveis de Ítalo Calvino.
(...)"Anastácia, cidade enganosa, tem um poder, que às vezes se diz maligno e outras vezes benigno: se você trabalha oito horas por dia como minerador de ágatas ônix crisóprasos, a fadiga que dá forma aos seus desejos toma dos desejos a sua forma, e você acha que está se divertindo em Anastácia quando não passa de seu escravo."

*O livro mencionado pela personagem é A árvore que dava dinheiro de Domingos Pellegrine.